segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A história de uma lágrima cap.1;2;3;4;5

Capítulo 1.

 

Uma lágrima

 

Nasci escondida em milhões de esperanças.

Apesar de única, por ter minha individualidade e meu livre arbítrio, estive igual a outras tantas lágrimas, por longos períodos.

Evidentemente nasci para um propósito, não um único, mas um por excelência, morrer para aliviar o sofrimento e a dor de um outro ser, aquele que me conteve em suas entranhas.

Quando lá estive, no nascedouro de mim, distribuída entre minhas irmãs, parecíamos um grande rio, mas cada uma de nós éramos única, e sabíamos o nosso encontro derradeiro, do nosso propósito, do nosso fim.

Eis que desde a concepção vivíamos e nos ensinaram esse objetivo em nossas vidas, o de servir para desentoxicar o coração do nosso portador maior, outros mais românticos, que viviam entre nós, nos viam como os únicos seres no universo capazes de lavar a alma insana do filho do filho, outros, pragmáticos nos ensinaram a amar nossa causa, pois vez por outra, uma lágrima perdida poderia ter outra finalidade, outro objetivo, menos dignos, como o de morrer por nada.

Crescemos na ilusão de uma vida futura, após a caída final renasceríamos na terra, nos frutos, nas sementes, mas eis que deixaríamos a nossa essência, não mais seríamos lágrima, não mais seríamos únicas.

Eis a minha dor, nessa minha história. Não suportava deixar de ser eu mesma, deixar de ter meu livre arbítrio, deixar de ser uma essência única.

Que vivesse em preparação para a derrocada final, quanto mais imaginava a chegada ao olho, mais sofria com o depois, a total falta de certezas, ai como me doía não poder participar de uma vida com as minhas queridas irmãs, outras lágrimas, outras e outras.

 

Capítulo 2.

 

A busca

 

Resolvi protestar, gritar por esclarecimentos reais.

Convoquei uma assembléia. A primeira assembléia das lágrimas.

Iria exigir o conhecimento do depois. Afinal éramos preparadas durante toda a vida para o momento da descida na íris e o escorrer pela face sofrida, mas ninguém esclarecia o depois, nem mesmo as lágrimas contidas, mais experientes, que haviam visto o mundo exterior e voltado pelo canal da partida, nem elas sabiam do depois.

Nos reunimos próximo ao coração, pois lá era o melhor local para uma reunião sobre o depois, afinal o coração é o órgão da razão, não das emoções como pensavam as lágrimas que deixaram sua sabedoria para nós. O coração é o único ser que guarda na memória a gratidão pelo nosso esforço em aliviar a sua dor, a dor do coração, éramos nós, as lágrimas o bálsamo para o coração partido, a plenitude para o coração feliz.

Gritei, como um corpo látego, como um menino perdido...

- Irmãs de destino, fiéis escudeiras do coração, amigas da alma, precisamos conhecer, o conhecimento nos libertará da escuridão de nós, não é só o saber que nos libra ás alturas, é necessário compreender o que se sabe, é necessário entender o porque se sabe.

Durante milhões e milhões de anos vivemos, pois somos continuidade dos nossos ancestrais, na ignorância do nosso amanhã, lendas, mitos de uma vida depois, mas nada sabemos, nada conhecemos.

Não basta viver, é necessário compreender a vida, compreender o nosso propósito.

 

Capítulo 3.

 

A sabedoria

 

A reunião começou pontualmente na hora prevista, me encontrava ansiosa, afinal tínhamos sido cientificadas que o cérebro, o conhecedor dos destinos, compareceria à reunião pessoalmente, apesar de ele, encontrar-se em toda a parte do corpo, quando deslizava por entre veias e sonhos, naquele dia, ele compareceria seria uma decisão inédita na vida das lágrimas, conheceríamos e aprenderíamos da fonte do saber.

Ele chegou como um sábio, nada falou, apenas observou com olhos atentos e nos permitiu o silêncio, apenas o silêncio.

O silêncio se fez por alguns minutos nos sentimos inquietas mas a situação nos impelia a paciência, a espera racional da busca do saber.

De ímpeto  o cérebro falou aos nossos olhos como que inebriados pelo semblante calmo e complacente daquele ser.

- Queridos segredos que enlaçam nossa desdita e agonia , a descida suprema da alma esquecida ao poço das recordações, a esperança da continuação e a certeza de um amanhã de luz.

Oh! Quão bom e suave é que as irmãs vivam em união, é revolução do amor, é a fulminação do esquecimento.

Somos parte de um propósito maior, e somos cada uma de nós, pois também sou lágrima que decide a partida, um propósito do criador, somos o grande rio e somos cada gota que verte o rio e caminha em direção ao grande mar, e quando chegarmos no grande oceano seremos o todo e cada uma partícula do todo, em uma sintonia de amor e luz.

Vivemos para aliviar a dor e somos a esperança da continuação do mundo, mas somos únicas e apesar de viver com o fim que nos alimenta , esse fim é apenas uma etapa da nossa evolução, do crescimento de nós.

Irmãs da esperança, vós sois o sal da terra e a terra depende de nossas árdua e prazerosa tarefa de permitir que a espécie humana viva e sobreviva por nós e de nós.

Para onde vamos depois da viagem derradeira não é nossa espera maior ou questão mais urgente, e sim quem somos e qual a nossa objetividade no agora.

Vivamos a plantear o nosso amanhã mas não nos preocupemos em demasia com o que há por vir depois do depois, sejamos breves no desejar  e sejamos ágeis no restaurar a dor e vivamos dia  a dia a tocar esperança na alma do homem.

Que nossa luta não seja em vão , que nosso propósito tenha objetividade em nós, mas sejamos pacientes na viagem até a íris e no depois, sejamos espera, para compreendermos que somos passageiras na grande vida, mas temos a nossa própria vida, se breve ou se efêmera, é apenas uma fase na certeza de nós.

 

Capítulo 4.

 

Solidão

 

Uma gota, isolada apenas por um instante, o instante do morrer.

Evidentemente que fiquei alucinada com essa revelação, e ainda procurava assimilar a plenitude desse ensinamento.

Como era maravilhoso o país das lágrimas, como eu era importante no mundo dos homens.

Cada dia eu procurava estudar incansavelmente as palavras ditas pelo cérebro, uma  a uma, vírgula a vírgula e resolvi me tornar interprete daquele sábio para o meu mundo, para esclarecer as minhas irmãs que ainda se encontravam perdidas na ignorância do esquecimento do conhecimento, sim a ignorância, a ausência do saber, o vazio da perplexidade.

Passei meses estudando, pesquisando, e a cada dia surgiam mais questões , mais dúvidas, e eis que com  a dúvida surge o saber, pois que só posso perquerir o que já sei, ao menos de forma insuficiente para o meu desenvolvimento moral e intelectual, mas se pergunto, só posso fazê-lo com o inicio de um saber.

O grande mar, dentre as lições, o que mais me embriagava era o grande mar, e me perguntava, seria lá o derradeiro ponto ou o ocaso da minha espera?

Me perguntava não esperando uma resposta, mas buscando entender a possibilidade da volta, da renovação do ser, da purificação da lágrima, ou estaria  cada lágrima fadada ao esquecimento no grande mar, ou ele não existia de forma perene, seria renovável, seria a renovação constante do universo.

Conversei com algumas lágrimas a respeito das minhas indagações, uma dizia que eu estava louca, outra que estava filosofando, e na sua concepção filosofia seria a busca do nada  para nada.

Apenas uma, uma única lágrima em centenas de lágrimas, ouviu o meu lamento e busca. Ela se denominou solidão.

Imagine a minha surpresa, pois solidão seria uma lágrima que ousou voltar da íris, que resolveu não cair pela face desfigurada de um homem em desespero.

A solidão o desespero da espera e a desilusão da volta. A lágrima que participou da minha desdita e agonia, disse-me com uma voz embargada e rouca, quase que a findar no fim do dia.

- Filha do amanhã, tua busca é a minha busca, é a procura de cada uma de nós, mesmo quando não pensamos no amanhã, mesmo quando sonhamos apenas com o agora, ainda assim, buscamos entender quem somos.

Cada uma de nós é uma espera, e cabe-nos nessa espera procurarmos apreender o que somos, o interessante pequena luz, é que a espera tem como ponto de chegada a partida, e o partir é a mudança para o desconhecido de nós.

Cada segundo esperamos a chegada da partida, e cada segundo desejamos voltar antes da chegada, esse é o nosso dilema maior, essa é a nossa angústia ou nostalgia, pois ora é desespero, ora é saudade.

Irmã de mim, no meu desespero resolvi voltar do isolamento de mim, e na volta perdi a oportunidade de conhecer o segredo da minha espera, e hoje vivo dia a dia no isolamento da minha agonia pois que se vivi por essa espera não poderia voltar antes do fim e do recomeço, e em sendo assim vivo no purgatório da desilusão, e alguns apenas apontam para mim a dizer lá vai a solidão, La vai a lágrima que não tem espera e nem sonhos do depois.

Querida irmã eis que nada posso te oferecer mas procuras conhecer as lágrimas da alegria, que moram nas proximidades da emoção.

Lágrimas da alegria, postei a minha voz bem dentro de mim, gritei para o silêncio da minha perplexidade, e perguntei a mim mesma como que procurando entender o que sou.

Existem lágrimas que tem outras funções, outros objetivos ou seriamos todas lágrimas com o objetivo que sempre entendi e aprendi, a limpeza da alma e o balsamo do coração.

Cheguei finalmente à câmara de reflexão.  

 

 

Capítulo 5

 

A alegria

 

O lugar apesar de abrigar lágrimas destinadas a alegria, está localizado entre dois mundos. O mundo disforme das tristezas e o mundo arrebatador do bem estar, afinal o campo de localização da câmara de reflexão são as emoções.

Mas somos lágrimas com o mesmo propósito, a alegria arrebata e também envenena o coração, somos o antídoto, somos as vigilantes da vida, a alegria é o reverso da dor, portanto também é dor, também machuca o coração.

E nós nascemos iguais, o fim destinado para a nossa causa não importa pois também é igual, a dor, a alegria, o descaso pela luz, não importa nada e sim que morremos para aliviar,l para garantia de uma continuidade.

Alegria, desespero da dor pela busca do perfeito, descaso pelo  sim e pelo não, alma inquieta que descansa na explosão da dor.

Alegria explode não que seja o excesso, mas por ser a gota do esquecimento.

Aqui nessa câmara, apesar de morremos pela alegria, não trazemos em nós o germem da nossa desdita.

Filha da dor, não te inquietes por buscarmos o mar, a nossa agonia é a de não poder parar, mesmo nas voltas, ainda assim, continuamos em direção ao mar, mesmo calcificada em algum órgão do mundo que vivemos, ainda assim, tudo é tão frágil que me pergunto, pra que se encantar com as coisas do rio de lágrimas, se o que importa é o mar, pra que se iludir que existe um caminho se qualquer caminho vai dar no mar, a  nossa vida, a vida das lágrimas, não é um mistério é um caminho que vai dá nos céus e te pergunto jovem sedutora da vida, será que temos direito a ter uma ilusão?

Se o Criador permite a volta do rio do céu descer enfim, é porque o caminho ainda não foi percorrido por nós, e nosso rio há de ser águas de paz.

A alegria é a nossa porta da volta, mas a volta é o caminho dos céus. Nascer no corpo frágil do homem, viver por ele e para ele, morrer pelas emoções, renascer na evaporação e reviver nos céus como estrela.

Não te inquietes no mundo das energias disformes.

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