sábado, 23 de fevereiro de 2013

O peixe e o pássaro

Um dia, um peixe ousado, por contemplar o céu e sonhar com aquele imenso azul, imaginou-se pássaro e sonhava noite e dia naquele céu.
Não seria diferente, seria indesculpável a temeridade de se expor, mas asilou a tentação de voar.
Qual estivesse amparado por estranha força invisível, depois de beijar enternecido o ar, mergulhou quase que seguro naquele estranho e desconhecido mundo, mas seu mar.
Todas as tardes dividia o olhar entre o firmamento cintilante e as águas tranquilas, e sempre abismava-se em profundas indagações que nenhum outro peixe poderia sondar.
Morrer mil vezes, mas um dia deixaria esse mar, voaria e mesmo que tortura fosse assim sonhar e por menor que fosse esse padecimento em frente ao céu, não despojaria viver só para o mar.
Pobre peixinho, não obstante a fortaleza de sonhar, quando por vez primeira ouviu aquele pássaro cantar, cedeu a tortura que antecede o desalento, e entre a paixão inacessível, tentou fugir daquele cantar, mas em vão cedeu a fadiga de voltar bem próximo às margem, arriscar só para sentir aquela voz, aquele cantar.
Venceu a inquietude e a solidão o compelia a recuar, mas ainda assim todo ocaso estava lá, aquela paixão que lhe conspurcava a paz de sonhar e desejar ser passaro só para voar. Já não era ele, que sonhava, aquele pássaro já era ele e ele não sabia explicar, e nem sabia se cantava ou estava só a escutar.
O peixinho compreendeu que vivia em um mundo e aquele que ele via na lusa fusca e que mergulhava por vezes e sentia-se voar era outro mundo outra vida, que ele um dia estaria por lá, seria pássaro, cantaria da nostalgia de querer voltar para o mar.
Aquela paixão entre dois mundos tão próximos mas tão distantes pois que um não poderia permanecer no mundo do outro se não por instantes, apenas instantes e no depois seu mundo ainda era o mar.
Amar, amar, o pássaro e o mar, ambos pertenciam a ele, e ele era às vezes pássaro às vezes era mar. Mesmo em corpos diferentes, mesmo em mundos diferentes, mas o tempo, o tempo essa medida do que não há, o tempo era por vezes o medidor de mundos, era sim, aquilo que lhe dizia, que ele podia ser ao mesmo tempo, pássaro, peixe e mar, tudo se resumia na vontade de materializar, de se ver em um mundo ou em outro lugar, tudo era possível na ideoplastia de materializar a vontade aqui e acolá, o que importava era sentir e sentir às vezes até que não se encontra em qualquer lugar, sentir é algo que mora no lado de cá, no lado de cima do coração quando se esprai em sonhar.
Ser peixe por ora, ser pássaro sem demora, tanto aqui como lá, são mundos reais, pois é real também sonhar, imaginar , desejo que torna-se vontade pelo acionar, pela ação de querer, o desejo passa a se materializar do lado de cá.
Ah! o peixinho estava apaixonado, e paixão é o climax da ideoplastia, pois materializa o objeto da paixão de tal forma que não se sabe mais o que é peixe e o que mostra-se fora do mar, pásssaro que voa ou peixe que ama, tudo, tudo é um só lugar.

Acordou ainda noite, estava em um galho bem próximo a face limpida do lago azul. Apertou bem os olhos e conseguiu visualizar no ocaso do acordar, aquele peixinho bem próximo,quase a lhe tocar e de repente olhou bem para as suas asas e inventou um vôo.
Mesmo voando ele não conseguia distinguir se ele era passáro que havia sonhado ser um peixe ou se era um peixe sonhando voar. Sentiu a carícia do vento e o beijo deslizava por entre seu bico e penas, mas ainda assim, não sabia se era peixe, passáro ou mar. Mas sabia e sentia que amava e amava aquele peixe e aquele mar e não importava se ele sonhava ou estava do lado de lá e sim importava que sentia e sentir é viver todo dia é ser peixe, é ser passáro e mar, é ser vento e céu é ser tudo, tudo que há, é sempre estar em algum lugar.